domingo, 3 de agosto de 2008

História da Medicina Pernambucana

Neurologia e Neurocirugia
Prof. Dr. Marcelo Moraes Valença ( Neurocirurgião do Hospital das clínicas - UFPE, Livre-docente da USP- Ribeirão Preto)

Equipe médica da Clínica Neurológica e Neurocirúrgica do Hospital Pedro II, UFPE. 1, Luiz Ataíde; 2, Célio Spinelli; 3, Guilherme Abath; 4, Manoel Caetano de Barros; 5, Salustiano Gomes Lins; 6, José Grinberg; 7, Mussa Hissa Hazin; 8, Alcides Codeceira


A escola de Neuropsiquiatria que surgiu em Pernambuco na primeira metade do século XX foi de grande importância para o desenvolvimento das Neurociências no Brasil. Aliás, das terras de Pernambuco nasceram grandes homens que muito contribuíram para o desenvolvimento da Medicina Nacional.
Alguns estudiosos sustentam que a Santa Casa de Olinda foi a primeira Instituição do Brasil a prestar assistência à saúde para nossa população (1539). Como existem apenas indícios históricos, “oficialmente” se considera como a primeira a Santa Casa de Misericórdia de Santos. Outros falam que a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Olinda foi a primeira do Brasil (1540) e seu hospital foi fundado em 1560, situando-se nas proximidades da Sé e do Colégio dos Jesuítas (hoje conhecido como Seminário de Olinda).


Desde o século XVII, durante o período da ocupação holandesa, a então capitania de Pernambuco tornou-se o espaço onde se realizaram os primeiros trabalhos de pesquisa científica no Brasil, de autoria dos naturalistas Guilherme Piso (médico da colônia batava) e George Marcgraf; citados por Leduar de Assis Rocha como pais da nossa medicina, iniciadores da literatura médica e fundadores da história natural brasileira. Octávio de Freitas chama Piso como o mais antigo médico e naturalista que possuímos, cuja obra descreveu as doenças da época em Pernambuco, considerando ainda o Recife como o berço inconteste da Medicina brasileira. O primeiro livro sobre medicina brasileira, e provavelmente das Américas, foi De Medicina Brasiliensi, publicado por Piso e editado em Amsterdã em 1648, juntamente com Historia Naturalis Brasiliae, do naturalista George Marcgrave.


A participação de pernambucanos no ensino médico e na criação das especialidades Neurologia e Neurocirurgia é por dizer surpreendente. Foi um pernambucano de Goiana, José Corrêia Picanço, o fundador do Ensino Médico no Brasil. Como era médico da corte real, influenciou D. João VI na criação das duas primeiras escolas de medicina (Bahia e Rio de Janeiro), em 1808.
Em Pernambuco, uma das primeiras iniciativas voltadas para o ensino médico data do ano de 1817, por ocasião da Revolução Pernambucana. Nesta época foi criado o Hospital Militar em Recife, onde funcionou uma Escola de Cirurgia Prática.




Da esq. para a direita os médicos Corrêia Picanço, Manoel Gouveia de Barros, Ulysses Pernambucano de Melo Sobrinho e seu filho Jarbas Pernambucano de Melo



Outro pernambucano ilustre, o Prof. Antônio Austregésilo Rodrigues Lima, nascido no Recife, é considerado o “pai da Neurologia Brasileira”. Diplomou-se pela Faculdade Nacional de Medicina em 1899, e em 1912 assumia a Cátedra de Neurologia, criada pela primeira vez no Brasil como disciplina independente, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Homem de uma cultura geral louvável, foi membro da Academia Brasileira de Letras. O Prof. Antônio Austregésilo também contribuiu de uma maneira fundamental na criação da especialidade em Neurocirurgia no Brasil. Em 1928, convidou Alfredo Alberto Pereira Monteiro, brilhante cirurgião-geral e catedrático em Anatomia, e o ainda jovem José Ribe Portugal para criar a especialidade no Brasil. O Ribe Portugal considerava Antônio Austregésilo o estimulador e o pai espiritual da Neurocirurgia no nosso País.


Muitos foram os que se destacaram na área da Neuropsiquiatria em Pernambuco na primeira metade do século XX, porém a figura do Prof. Ulysses Pernambucano de Melo Sobrinho foi o destaque maior. Ocupou a cadeira de Semiologia Neuropsiquiátrica da antes chamada Faculdade de Medicina do Recife, quando Manoel Gouveia de Barros era catedrático de Neurologia e Alcides d'Ávila Codeceira da Cadeira de Psiquiatria. Após a morte de Manuel Gouveia de Barros, Ulysses Pernambucano assumiu a respectiva cadeira. Foi o criador, em 1938, da revista Neurobiologia, a mais antiga revista da área neuropsiquiátrica em circulação da América Latina.


Sucedendo Ulysses Pernambucano, seu filho Jarbas Pernambucano de Melo, foi aprovado em concurso com a Tese Estudo anátomo-clínico das atrofias cerebelares. Jarbas Pernambucano criou a Clínica Neurológica da Enfermaria São Miguel do Hospital D. Pedro II. Após a morte de Jarbas Pernambucano, em 1958, Manoel Caetano Escobar de Barros, um ano após, faz concurso para a cátedra de Neurologia com a tese Contribuição ao Estudo da Impressão Basilar Associado à Mal-Formação de Arnold-Chiari.


Como afirma o neurocirurgião Ian Pester, grande interessado na história da Neurocirurgia no nosso estado, foi o Prof. Manoel Caetano de Barros o primeiro médico que, em 1947, decidiu se dedicar exclusivamente à Neurocirurgia no Nordeste do Brasil. Por sua vez, o Prof. Manoel Caetano convence e motiva o então estagiário Mussa Hissa Hazin para se especializar em Neurocirurgia e, em 1957, juntam-se ao grupo Célio F. Spinelli e Aluízio Freire. Em 1989, o Prof. Wilson Farias da Silva passa a ser o Professor Titular com a tese Estudo Comparativo entre Aspectos Clínicos da Enxaqueca Clássica e Comum. O Prof. Wilson Farias houvera defendido em 1974, a tese de Docência-Livre Contribuição ao Estudo dos Eletroencefalogramas Intercríticos nas Cefaléias Vasculares. O Professor Wilson, grande cefaliatra, tem uma extensa produção científica, com publicação de vários livros na área da cefaléia (incluindo o primeiro livro de cefaléia no Brasil). Recentemente recebeu o título de Professor Emérito.


O ensino em Neurologia e Neurocirurgia também recebeu grande influência da Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, fundada em 1950, hoje chamada Universidade de Pernambuco (UPE). Esta Instituição tinha à frente da Disciplina de Neurologia I eII Zacarias Maciel e Pacífico Pereira. Houve participação de outros grandes neurologistas como José Alberto Maia, Alcides Codeceira Jr e Luiz Ataíde, este último regeu a cadeira, chegando a ser catedrático das duas disciplinas até 1993. O Prof. Alcides Codeceira Jr foi agraciado com o título de Professor Emérito recentemente. O Professor Hildo Rocha Cirne de Azevedo Filho é atualmente o Professor Titular em Neurocirurgia da UPE.


Pernambuco também se destaca na área da Neurofisiologia Clínica. O Professor Salustiano Gomes Lins foi o pioneiro da epileptologia e eletroencefalografia e é referido como o criador do primeiro laboratório para o estudo do sono no Brasil.
Alguns neurologistas pernambucanos ocuparam a presidência da Academia Brasileira de Neurologia, como: Manoel Caetano de Barros (1966-1968), Amauri Batista da Silva (1976-1978) e Luiz Ataíde (1980-1982). Mais recentemente o Prof. Gilson Edmar Gonçalves e Silva foi eleito presidente do próximo Congresso da Academia Brasileira de Neurologia, a ser realizado no Recife em 2006.


O Prof. Othon Coelho Basto Filho publicou em 2002 o livro História da Psiquiatria em Pernambuco e outras Histórias, que de uma forma elegante bem descreve como psiquiatras do estado de Pernambuco se destacaram no cenário científico nacional. Não cabe aqui repetir o que nas páginas desse livro é narrado. Vale aqui lembrar que o primeiro Instituto de Psiquiatria do Brasil foi fundado em Recife em 1922 e que o primeiro Departamento de Psiquiatria da América do Sul com clínica ambulatorial ativa foi também aqui inaugurada em 1932.


Com estas escassas palavras tentamos escrever “um pouco” da história da Neurologia e Neurocirurgia de Pernambuco; Porém, muitos são os nomes de homens e mulheres que não foram mencionados, mas, que muito contribuíram para a formação desta grande Academia de Neurociência que temos em nosso estado.